A Ford Europa vive um esvaziamento de portfólio sem precedentes. Em poucos anos, a marca eliminou todos os seus carros de volume que não fossem SUVs ou crossovers. Modelos históricos como Ka, Fiesta, Mondeo, S-Max e Galaxy foram aposentados. A fábrica de Saarlouis, na Alemanha, que já produziu mais de 16 milhões de veículos, será fechada. E até o Focus, último da linhagem, já tem data para sair de cena.
Os efeitos dessa retração são visíveis. Segundo dados da ACEA, a Ford vendeu 426.307 carros na Europa em 2024, incluindo Reino Unido e países da EFTA. É uma queda de 17% em relação ao ano anterior, o primeiro sem o Fiesta. A participação de mercado caiu de 4% para 3,3%, abaixo de Hyundai e Kia, que alcançaram 4,1% cada. Em 2025, o cenário não melhora: retração de 3,9% já em janeiro e market share reduzido a 3%.
A resposta da montadora veio de forma discreta. De acordo com o jornal alemão Automobilwoche, concessionários europeus foram informados por videoconferência de que “novos modelos estão a caminho”. A fala partiu de Christoph Herr, novo diretor da empresa para Alemanha, Áustria e Suíça, e teria o aval direto do CEO Jim Farley. É a primeira sinalização concreta de que a Ford pode voltar a ter carros de volume fora da categoria SUV.
Segundo a publicação, os revendedores receberam com alívio a notícia de que novos modelos estão em desenvolvimento para preencher parte do vazio deixado por carros que marcaram época e desapareceram sem substitutos. Não se sabe quantos modelos estão por vir, nem se serão 100% a combustão — mas a aposta interna, segundo fontes, é que pelo menos parte deles use motor a gasolina.

Foto de: Ford

Foto de: InsideEVs
E não é difícil entender por quê. As vendas de elétricos como Explorer e Capri decepcionaram. Ambos compartilham base com modelos da Volkswagen e são montados na fábrica de Colônia, na Alemanha, onde a demanda abaixo do esperado forçou a empresa a propor acordos de demissão voluntária. O desempenho fraco desses produtos esfriou o plano de eletrificação total e fez a Ford recuar da meta de vender apenas elétricos no continente até 2030.
Apesar disso, a marca ainda terá de se adaptar à legislação europeia, que proíbe a venda de veículos com emissões a partir de 2035. Uma revisão dessa diretriz está prevista para 2026, mas a União Europeia já deixou claro que, por enquanto, não pretende mudar de ideia.

Ford Ka, Ecosport e Fiesta eran produzidos em Camaçari, na Bahia; hoje planta pertence a chinesa BYD
A decisão afeta apenas o portfólio europeu. Ainda não se sabe se os novos carros também retornarão aos EUA ou a mercados como o Brasil, onde a Ford seguiu trajetória semelhante. A linha de Camaçari foi encerrada em 2021, e modelos como Fiesta, Ka e Ecosport desapareceram em uma tacada só. Farley, aliás, não esconde o direcionamento da marca: “Queremos sair do negócio de carros chatos e entrar no negócio de veículos icônicos”, disse em 2023. Ele reconheceu que esses modelos eram populares, mas não lucrativos o suficiente para garantir sua sobrevivência.
A Ford ainda não revelou o que virá a seguir. Mas com queda de participação, rede de concessionários frustrada e uma linha restrita a SUVs e elétricos pouco inspirados, o recado dos distribuidores é claro: falta produto. Se essa nova fase trará de volta o apelo que a marca já teve na Europa, ainda é cedo para saber. Mas o tempo das promessas está acabando.