“O mundo todo está eletrificando seus carros e só o Brasil insiste no etanol. Logo, seremos o museu dos motores a combustão…”. Agora surge um alento: não somos mais o único país a pôr suas fichas nos biocombustíveis. Nitin Gadkari, ministro dos Transportes Rodoviários da Índia, afirmou esta semana que aposta no álcool como a principal solução para o futuro da frota automotiva.
A declaração foi feita na comemoração do World Biofuel Day (10 de agosto, o Dia Internacional do Biocombustível). Em um evento na cidade de Pune, importante centro industrial e educacional da Índia, o ministro Gadkari revelou ter metas ambiciosas.
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Fonte: Jason Vogel
A Índia tradicionalmente usava gasolina E10 (com adição de 10% de etanol de cana-de-açúcar). Nos últimos cinco anos, porém, a quantidade de álcool passou a 20% da composição — e, desde abril de 2025, todos os carros fabricados no país já saem com componentes preparados para usar E20.
Agora, o governo indiano já fala em adotar o E27 ou o E30, como no Brasil, para reduzir as importações de petróleo bruto, economizar divisas, criar “empregos verdes” e cumprir os compromissos climáticos da Índia. É também uma forma de empoderar os Annadatas (agricultores), transformando-os em Urjadatas (produtores de energia).

Maruti Suzuki DZire – o líder do mercado indiano
Foto de: Jason Vogel
Exemplo brasileiro
Hardeep Singh Puri — hoje ministro indiano do Petróleo e do Gás Natural — usa exatamente o exemplo do Brasil para defender o uso do etanol:
“As mesmas fabricantes que operam na Índia também atuam no Brasil. O Brasil utiliza o E27 há anos e nunca houve problemas como falhas nos motores dos carros. O biocombustível está tornando a Índia autossuficiente no setor de energia. Está economizando divisas e gerando renda extra para os agricultores. O país também caminha em direção ao hidrogênio verde e, em breve, trens na Índia funcionarão com esse combustível. Sob a liderança do primeiro-ministro Narendra Modi, a população está testemunhando uma nova realidade de mudanças significativas no campo da energia limpa.”
Shri Puri afirmou, em um evento na semana passada, que a indústria automobilística indiana já demonstrou sua capacidade de produzir carros flex. As fabricantes no país começaram a apresentar protótipos compatíveis com o combustível E85. Consultas contínuas têm sido realizadas com a Sociedade de Fabricantes de Automóveis da Índia (SIAM, a Anfavea local) e a direção é clara: avançar progressivamente para misturas mais altas de etanol.

Innova HyCross Flexfuel – protótipo de híbrido flex
Foto de: Jason Vogel
A Toyota Kirloskar Motor, joint venture responsável pela fabricação e vendas de carros da marca japonesa na Índia, é um exemplo: tem prontos protótipos híbridos-flex da minivan Innova HyCross — e diz que foi preciso adaptar essa solução, já bem conhecida nos Corolla e Corolla Cross brasileiros, ao padrão indiano:
“Embora o Brasil tenha introduzido tecnologia semelhante em 2019, suas normas de emissão são menos rigorosas que as da série BS 6. Baseado no modelo Innova HyCross, nosso protótipo foi projetado para se adequar às normas BS 6 (Stage II) da Índia, tornando-se o primeiro carro do mundo nesse padrão.”, explica um comunicado da empresa. Vale dizer que há um Corolla Hybrid flex brasileiro na Índia desde 2022, sendo usado para demonstrações.

Hyundai Creta – o segundo modelo mais vendido na Índia
Foto de: Jason Vogel
Em busca da liderança
Com 1,4 bilhão de habitantes, a Índia tornou-se o país mais populoso do mundo em 2023, superando a China. É também o terceiro maior mercado de carros do planeta (em vendas internas, ultrapassando o Japão), além de quarto maior fabricante de veículos do mundo, segundo dados da Organisation Internationale des Constructeurs d’Automobiles — OICA.
Com uma produção de 6 milhões de carros, comerciais leves, caminhões e ônibus em 2024, a Índia só ficou atrás da China, dos EUA e do Japão (o Brasil ocupou a oitava posição).

Foto de: Jason Vogel
A Índia já é o maior fabricante mundial de veículos de duas rodas (estão aí as motos Royal Enfield para provar), o segundo maior produtor de ônibus e o terceiro maior de veículos comerciais médios e pesados. E há ambição para muito mais, conforme um plano de metas “2047”, que está sendo elaborado desde junho:
“Nosso objetivo é tornar a Índia o principal polo automobilístico do mundo”, anunciou, sem modéstia, o ministro Gadkari.
Há algumas particularidades no mercado local. Fundada em 1981 como estatal de capital misto, por iniciativa da primeira-ministra Indira Gandhi, a Maruti Suzuki detém 42% das vendas na Índia. A tributação sobre carros importados é a mais alta do mundo (entre 60% e 100%), mas o governo baixará a taxa para 15% no caso de modelos elétricos com promessa de futura produção no país. A ideia é atrair novos fabricantes

Foto de: Jason Vogel
Diferentemente do que ocorre na vizinha China, no top 10 do mercado indiano ainda não há espaço para carros elétricos ou sequer híbridos. Todos têm motores a combustão e, em sua maioria, são modelos com menos de quatro metros de comprimento, como se pode ver pelo ranking de julho de 2025:
| Posição | Modelo | Categoria |
| 1 | Maruti Suzuki Dzire | Sedã subcompacto |
| 2 | Hyundai Creta | SUV |
| 3 | Maruti Suzuki Ertiga | Minivan |
| 4 | Maruti Suzuki Wagon R | Minivan subcompacta |
| 5 | Maruti Suzuki Swift | Hatch subcompacto |
| 6 | Maruti Suzuki Vitara Brezza | SUV subcompacto |
| 7 | Mahindra Scorpio | Utilitário 4×4 |
| 8 | Maruti Suzuki Fronx | Crossover subcompacto |
| 9 | Tata Nexon | Crossover subcompacto |
| 10 | Maruti Suzuki Baleno | Hatch subcompacto |
Pelos planos do governo indiano, a produção deve pular dos atuais 6 milhões de carros, caminhões e ônibus para 7,5 milhões em 2030. O desafio, segundo Gadkari, é reduzir o impacto ambiental — hoje, 40% da poluição do ar do país vem dos veículos.
A Índia e a Indonésia buscam formar uma aliança global com fabricantes de veículos para promover biocombustíveis e reduzir a dependência da eletrificação, setor liderado pela China. Desde a reunião do G20 em 2023, essas nações discutem com o Brasil maneiras de expandir o uso de etanol.

Maruti Suzuki Vitara Brezza
Foto de: Jason Vogel
Apresentando-se como “um agricultor com seis doutorados na área”, Gadkari defendeu uma mudança no papel da agricultura na economia da Índia. Embora responda por 12% a 14% do PIB, o setor sustenta 65% da população do país. A meta é elevar essa fatia do PIB para 25%, igualando-se à indústria, com a ajuda de biocombustíveis produzidos a partir de diversas fontes.
O ministro citou o exemplo do estado de Bihar, no nordeste do país, onde a produção de etanol a partir do milho aumentou os preços pagos aos agricultores. Ele também defendeu a diversificação para outros grãos, o cultivo de bambu em terras degradadas (que, segundo ele, poderia ser uma “solução livre de CO₂” e gerar empregos em massa), além da produção de hidrogênio a partir do etanol.

Tata Ace Flexfuel – modelo já em produção
Foto de: Jason Vogel
Gadkari minimizou preocupações com recursos para esses investimentos. Ele citou a classificação AAA, que indica o mais alto nível de credibilidade financeira e forte capacidade da Autoridade Nacional de Rodovias da Índia (NHAI) de honrar seus compromissos, e afirmou que “não há escassez de dinheiro” para projetos sustentáveis.