O melhor caminho para as montadoras tradicionais enfrentarem a crescente concorrência chinesa talvez não seja lutar contra ela, mas aprender a trabalhar junto. Em vez de resistir, fabricantes da Europa, dos Estados Unidos, da Coreia e do Japão precisam aceitar a nova realidade e buscar formas de cooperação.
Goste-se ou não, a China hoje reúne os recursos, a escala e a tecnologia para produzir alguns dos veículos elétricos, híbridos plug-in e de autonomia estendida mais competitivos do mundo. O país, que por décadas aprendeu com o Ocidente por meio das joint ventures obrigatórias, agora inverteu o jogo. O aluno superou o mestre, e talvez seja hora de o mestre aprender com o ex-aluno.
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Fonte: Chevrolet
Uma das formas mais diretas de fazer isso é o rebadging, a velha prática de rebatizar modelos já existentes de origem chinesa. O método é simples: uma marca ocidental aproveita o projeto pronto de um parceiro local, altera logotipos, grade, acabamento e calibração, e coloca o carro à venda com outro nome. É uma maneira rápida e barata de preencher lacunas na linha e aproveitar a eficiência produtiva das fábricas chinesas.

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Fonte: Ford
Casos práticos
A Ford foi uma das primeiras a explorar essa rota moderna de colaboração. Desde 2018, vende o Territory, versão rebatizada do JMC Yusheng S330, com sucesso em vários mercados latino-americanos, incluindo a Argentina, onde o SUV se tornou um dos modelos mais vendidos da marca.
A Chevrolet seguiu caminho semelhante. Desde 2019, o Captiva vendida na América Latina é derivado da chinesa Baojun 530, também comercializada como Wuling Starlight S. O projeto nasceu da joint venture entre SAIC e Wuling, que hoje também colabora com a General Motors em diversos produtos elétricos e híbridos.

Novo Chevrolet Captiva EV
Foto de: InsideEVs Argentina
A nova geração do SUV, inclusive, já está de passaporte marcado para estrear no Brasil em breve, utilizando os mesmos propulsores elétricos da versão vendida pela Wuling. Para um segundo momento, o Captiva ganhará ainda uma versão híbrida do tipo PHEV e pode acompanhar o Spark EUV, virando nacional.
O grupo Volkswagen segue a mesma lógica. Além das antigas parcerias com SAIC e FAW, a marca alemã coopera com a chinesa Xpeng, de onde saiu o Audi E5 Sportback. Outras montadoras adotaram a estratégia, como a Hyundai com a BAIC no elétrico Elexio e a Toyota, que mantém alianças com FAW e GAC e lançou modelos como os bZ7 e bZ3X. Já a Nissan, junto à Dongfeng, desenvolveu o Frontier Pro Hybrid, baseado no Dongfeng Z9.

Foto de: Motor1 Italy
O caso Renault-Geely e o avanço da Stellantis
Entre as europeias, a Renault tem sido uma das mais ativas nessa aproximação. O novo Grand Koleos, vendido na Coreia do Sul e em países da América Latina, deriva diretamente do Geely Xingyue L. O sucesso do modelo tem servido como vitrine para a nova estratégia global da marca francesa, que enxerga na China um parceiro tecnológico, e não um adversário.

Foto de: Motor1 Italy
A Stellantis prepara um movimento semelhante. Após adquirir 20% da Leapmotor, o grupo planeja lançar um novo Opel baseado em um dos modelos chineses da marca. O objetivo é aproveitar a base elétrica já pronta e acelerar a eletrificação de suas divisões europeias, reduzindo custos e tempo de projeto.

Foto de: Dacia

Foto de: Renault
Resultados concretos
Os efeitos dessas alianças já são claros. Na Argentina, o Ford Territory fabricada na China foi o segundo carro mais vendido da marca em setembro de 2025, respondendo por 38% das vendas da Ford no país. Na Coreia do Sul, o Renault Grand Koleos representa 80% das vendas da marca. E na América Latina, Chevrolet Captiva, Groove, Aveo, S10 Max e Tornado Van já respondem por mais da metade das vendas regionais da GM.
Na Europa, o fenômeno também começa a ganhar força. O Mazda 6e, versão rebatizada da Deepal SL03, vendeu quase 400 unidades logo em seu primeiro mês. Já o Dacia Spring, fabricado pela joint venture Renault e JMCG, é hoje um dos elétricos mais baratos do continente, com 23 mil emplacamentos entre janeiro e agosto de 2025.

Ford Versailles era equivalente ao Santana
Foto de: Motor1 Brasil
Prática é antiga também no Brasil
Apesar do nome estrangeiro, o rebadge não é nenhuma novidade por aqui. O Brasil viveu fenômeno semelhante nos anos 1990, durante a Autolatina, quando Ford e Volkswagen compartilharam projetos e fábricas. Da parceria nasceram duplas como Santana e Versailles, ou Verona e Apollo, o mesmo carro com duas marcas e estratégias diferentes de mercado.
Três décadas depois, a lógica segue viva. A diferença é que agora a fusão de logotipos vem do outro lado do mundo, com sotaque chinês e geralmente com uma bateria no lugar do tanque.
Texto adaptado do artigo de Felipe Munoz, especialista da JATO Dynamics, publicado originalmente no Motor1 Itália.
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